Depois da Última Viagem, Não Quero Flores
Uma reflexão sobre ausências em vida e o silêncio necessário na morte quando homenagens tardias não fazem mais sentido.

Quando eu partir para a minha última viagem e não mais retornar, peço apenas uma coisa: não vá ao meu velório. Não precisa. Não traga flores, discursos ou lágrimas ensaiadas. Apenas me deixe ir. Quero silêncio. Quero paz. A última coisa que desejo é descobrir, já sem vida, que alguém me amava, me admirava, me achava talentoso ou me considerava inspiração e que nunca teve coragem de me dizer isso em vida.
Não quero ouvir que eu era o amor de alguém, que alguém daria a vida por mim, que eu era motivo do sorriso mais raro, mais sincero. Palavras como essas só têm valor quando ditas em tempo real, quando ainda é possível ouvir, retribuir, abraçar. Depois que a existência se apaga, tudo isso soa como ironia. Ou crueldade.
Não quero uma cerimônia lotada de rostos ausentes, de presenças que nunca se fizeram sentir enquanto eu respirava. A verdade é simples: se em vida a minha presença não era notada, não há razão para que minha ausência cause comoção.
A solidão, ainda que fria, é mais honesta do que o calor vazio de presenças fingidas. Aceitar isso é, de certa forma, uma vitória talvez até maior do que qualquer outra que se pode conquistar em batalhas travadas com espadas de aparências.
Se quiser dizer algo, diga agora. Se for para sentir, sinta agora. Se for para viver a intensidade da vida, que seja enquanto ela pulsa. Não me homenageie depois da partida. Será tarde demais. Homenagens póstumas são como cartas que nunca serão abertas, como músicas tocadas para ouvidos que já não escutam.
A minha última viagem não precisa de aplausos nem de discursos emocionados. Precisa apenas de respeito pelo silêncio que eu escolhi porque, no fim, talvez ele fale mais alto do que todas as palavras que não me disseram.
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